Quando a startup está “matando” os co-founders, é homicídio culposo ou doloso?
- Ana Rezende
- 2 de jun.
- 4 min de leitura

"Co-founder 1: Vocês estão me matando, essa conversa está me matando, essa empresa vem me matando!
Co-founder 2: Como assim?
Co-founder 3: Se acalme. Pare com esse mi-mi-mi.
Co-founder 1: Eu costumava ser uma pessoa otimista, resolutiva, corajosa e agora só sobrou isso aqui. Nós éramos um trio competente, transparente, visionário, gente fina e agora só sobrou isso. Aliás, o que sobrou? Sobrou alguma coisa? Nem sei.”
Sim, estou usando palavras fortes porque o tema de hoje é intenso e obscuro. Quis dar o tom de já de largada.
Acompanhei essa conversa difícil entre 3 co-founders que estavam enfrentando dificuldades sérias de relacionamento e discordância sobre os próximos passos da empresa.
Todos sabíamos que a discrepância de perspectivas e valores que possuíam não eram frutos do presente, foram semeados no passado com adubos de silêncios passivos e cultivo de falácias nas tomadas de decisões.
Contexto.
A startup caminhava de lado há 4 anos, vinha fazendo vários face liftings desde Q4/2022. Pivotaram tantas vezes… foram tantos lay offs prometendo ao time que “esse é o último lay off que faremos”... tanta restrição de budget… tantos vôos de galinha… eles estavam exaustos, física e emocionalmente.
A startup havia chegado em 6 meses de runway. Prazo limite acordado para decidir pelo fechamento da empresa.
Como é difícil ter conversas difíceis e tomar decisões difíceis quando estamos passando por momentos difíceis. Como é difícil permanecer lúcido, consciente e intencional quando o entorno é um quebra cabeça da imagem de um sudoku nível hard com cronômetro sinalizando que o tempo está acabando.
Cada um estava experienciando o cenário de um jeito. Para um dos cofounders a sensação era semelhante a de estar vendado, as informações estavam nebulosas, as expressões faciais das outras pessoas pareciam um grande enigma e os seus pensamentos não eram traduzíveis. Outro comentou que sua sensação era de aperto no peito, uma sensação de falta de ar mesmo estando com o pulmão cheinho de oxigênio, se sentia paralisado. E o 3o fazia uso de algumas metáforas para descrever o momento: labirintos, furacões, becos sem saída.
(Sim, o founder que sorri de orelha a orelha enquanto faz seu pitch ou que responde: “Nunca estivemos melhores”, quando lhe perguntam como estão as coisas, pode estar passando por um momento muito difícil. E quase ninguém sabe.)
A 1a reunião que os 3 fizeram para planejar o shut off foi a conversa que mencionei no início do post.
O co-founder que estava na posição de CEO abriu a reunião pedindo para que fossem objetivos e que as pautas abordadas fossem exclusivamente sobre a preparação para o processo de encerramento. O trio cumpriu o pedido durante 15 minutos até serem engolidos por suas frustrações e raiva e começarem, provavelmente, uma das DRs mais difíceis que tiveram na vida.
A catarse do co-founder 1 serviu como uma permissão para que o lado sombra fizesse parte da conversa. Convidou para a arena a emoção reprimida que estava impedindo a razão de imperar.
Concluíram que os 3 haviam deixado morrer talentos relevantes que foram responsáveis pelo sucesso conquistado no início da jornada da empresa. Em algum momento o elo (alinhamento, interação, admiração, respeito, compromisso) entre eles se perdeu, cada um seguiu em frente buscando dar o seu melhor, mas… Um laço não se desfaz de maneira repentina, nem por acidente. Um grupo de cofounders evidencia sinais de que sua relação não está bem. As pessoas, em nome da adaptação a um contexto turbulento, mudam, se transformam.
A intenção é boa, o impacto, nem sempre.
Vejo que muitos co-founders ainda menosprezam a importância de investir energia e tempo de qualidade para gerir a relação entre sócios, em ter vontade de resolver, de “se entender”. É mais “fácil” procurar o PMF, a curva J, o aporte.
Interessante que o único ponto que depende exclusivamente dos founders é fertilizar um relacionamento saudável e próspero com seus sócios, todos os outros itens são influenciados por variáveis exógenas.
A sequência da conversa entre os 3 co-founders foi uma busca de “onde foi que eu errei?”, “onde foi que erramos?”, como quem pergunta: quem matou a nossa relação, com que arma, em qual cômodo da casa? Perguntas cujas respostas não mudam o fim da startup mas que ajuda-os a tirar alguns nós do novelo, algumas paredes do labirinto e a ter esperanças de que é possível tentar de novo, é possível acertar.
Faço esse relato com a intenção de pedir para que fiquem atentos às pistas, estejam alertas às alterações bruscas nos comportamentos, nos seus e no dos seus co-founders. Não aceitem que pautas que costumavam energizar passem a ser indigestas. Sejam intolerantes com a substituição da sensação de fazer parte de uma tropa de elite por solidão, medo de exclusão e de inadequação.
Se algo assim acontecer: con-ver-sem. Não criem narrativas muletas como: “isso é dor de crescimento” ou “não tenho tempo para olhar para mim, estou olhando para o resultado da empresa” ou “não tenho tempo para pensar, preciso apagar incêndio".
Não cuidar do que é a base de crescimento de uma startup, a saúde mental, emocional e relacional dos co-founders entre si e com si mesmos, pode ser considerado o suspeito menos provável por ter sido responsável pelo fim de uma empresa e pela construção confusa da autoimagem de um co-founder. Intencional ou não, em muitos casos, é o culpado.
Problemas insolúveis podem ser herdeiros de dificuldades que um dia foram gerenciáveis. Antes ter coragem para consertar rápido do que lamentar por morrer aos poucos.
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