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Empreendedoras que correm com os lobos… ou de si mesmas?


Tenho sentido vontade de conversar com female founders, de dizer que entendo que a jornada é difícil e que sinto muito por isso ser como é. Esse é o 1º de 4 posts que escreverei sobre “ser mulher” no empreendedorismo. Farei isso com base em histórias que conheci, e na minha vivência e reflexões, como ex-executiva de RH de startup, como sócia de uma consultoria e como parceira de desenvolvimento de founders, meu papel atual.


No início de 2023 lançamos na Astella o astELLAS, programa de mentoria coletiva para female founder de empresas tech. Fizemos isso porque no último ano (e em todos os anteriores) havíamos recebido pouquíssimos contatos de startups co-fundadas por mulheres em busca de investimento.


Onde estão essas mulheres? Aliás, elas existem? De que tipo de ajuda elas estão precisando? Estas eram as perguntas que Luiza Santos, Juliana Baranowski e eu queríamos responder. Pois uma certeza já tínhamos: queremos ajudá-las!


Uma pesquisa feita pela KPMG em 2019 trouxe os números que precisávamos para escopar nossa contribuição, alguns deles:


  • 92% das mulheres disseram que não se sentem confiantes para pedirem por patrocínio e 79% se sentem inseguras para pedir por mentorias;

  • 67% das mulheres informaram que aprenderam as principais lições sobre liderança através de outras mulheres;

  • 82% das mulheres acreditam que acessar um networking de mulheres líderes vai ajudá-las a avançar;

  • 67% das mulheres acreditam que precisam de ajuda para construir confiança.


Decidimos que o astELLAS seria um ambiente de compartilhamento de conhecimento em um lugar emocionalmente seguro. Sabíamos que a percepção que as pessoas têm de uma gestora de venture capital é de uma entidade que avalia e “peneira” founders, mas estávamos otimistas que conseguiríamos mostrar desde o início que o convite era não apenas para aprendizado, mas para fazer parte de um clã, de uma alcatéia.


No nosso 1º encontro perguntamos às 47 participantes quais eram as suas motivações e anseios com relação a participar do programa. As respostas sobre anseios giraram em torno de: “descobrir que não sou capaz o suficiente”, “será que vou conseguir contribuir e ajudar as outras founders também?”, “perceber que não estou madura/negócio maduro o suficiente para estar aqui”.


Que fenômeno é esse que faz com que a autoimagem das empreendedoras as apequene?


“A mulher moderna é um borrão de atividade. Ela sofre pressão no sentido de ser tudo para todos.” afirma Clarissa Pinkola Estés (autora de "Mulheres que Correm com os Lobos" - um must read, na minha opinião).


Clarissa acredita que as mulheres foram perdendo o contato com seus processos psíquicos instintivos e naturais, como sua percepção aguçada, espírito brincalhão, curiosidade, resistência, força, adaptabilidade em circunstâncias em constante mudança, determinação feroz e extrema coragem.


A autora afirma que, mesmo que muitas de nós estejamos “distraídas” com outras coisas, como por exemplo ao cumprimento de normas e crenças sociais, ainda assim, de tempos em tempos, escutamos um som, sentimos um cheiro, ouvimos uma história que nos faz lembrar do poder da nossa essência escondida. Segundo Clarissa, quando as mulheres reafirmam seu relacionamento com a sua essência, elas passam a ser permanentemente observadoras de si mesmas, tornam-se mais sábias, visionárias, inspiradas e inspiradoras. Criam, guiam, empreendem.


As mulheres que perderam contato com sua essência vivem em um estado de destruição parcial. Os poderes, que lhe são naturais não estão em pleno desenvolvimento. Percebemos isso através de comportamentos áridos, confusos, desestimulados. Ela se sente assustada, fraca, sem ânimo, sem significado, envergonhada, com uma fúria crônica, amarrada, transtornada.


Maureen Murdock, em seu livro "A Jornada da Heroína", afirma que a mulher atual reconhece sua força e seu poder, no sentido de ser uma “conquistadora” de espaços, autonomia, valorização e novos direitos. Aprendeu direitinho a apresentar os comportamentos padronizados reconhecidos como “bem sucedidos”, atitudes e narrativas consideradas masculinizadas.

A autora conta sobre mulheres que passaram a rejeitar seus comportamentos femininos, que os percebem como passivos, improdutivos, mi-mi-mi.

Certamente esse tema é muito complexo, possui muitas facetas e questões sócio históricas bem mais profundas que propositalmente não trarei aqui. Opto por avançar e compartilhar a minha (humilde) perspectiva.


Eu sinto que nós, mulheres, focamos muito no “para fora”: deixamo-nos disponíveis para ajudar as pessoas, estamos atentas ao ambiente, somos interessadas em entender a necessidade do entorno. Essa nossa sensibilidade para olhar para cada um com curiosidade para entender a sua singularidade não é aplicada em nós mesmas. É como se não desse tempo para olhar para dentro. Logo, olhamos apenas para fora, aceitamos uma regra do jogo de um “comportar-se” polarizado. Provavelmente, por que não conseguimos ver alternativa melhor ou mais eficiente e, às vezes, parece que realmente não há.


Tenho o privilégio de conviver com mulheres que estão gerando muita prosperidade para o mundo em diferentes contextos: ONGs, startups, área da saúde, da educação, em venture capital. Tenho testemunhado discussões relevantes sobre a valia das competências consideradas femininas (que também estão presentes nos homens) e quão necessárias elas são para a atualidade dinâmica e ambígua que vivemos. Existe avanço, é fato.


Entretanto, o discurso AINDA não é tão forte quanto os nossos próprios paradigmas sobre o que, de fato, tem sido valorizado, sobre o que, de fato, é reconhecido como sucesso.


No ambiente empreendedor, nós convivemos com homens seguros e arrojados, temos conversas que precisam ser objetivas, focadas em resultados, baseada em dados. Temos pressa! Nossa sensibilidade nos diz quais são os comportamentos melhor aceitos. Cada uma de nós, por motivos diferentes (ou não), acaba se ajustando. E quando nos ajustamos, vencemos. Ou melhor, vencemos no curto prazo, no conceito de que vencer é retorno financeiro, estar no topo da pirâmide, reputação profissional. Fazer parte da matilha que opera por comportamentos masculinos ainda é uma probabilidade de sucesso, ainda é sedutor para muitas de nós.


Quando ocupamos a cadeira de CEO, de founder, de “agora vai ser do meu jeito”, estamos entrando em uma nova arena, que, aparentemente, é mais flexível, nos dá mais abertura para propor as regras. Mas… a maioria de nós nunca ocupou essa posição antes, e, tem poucas referências de female founders para mostrar os atalhos. Sou uma empreendedora/CEO loba solitária? Quem sou eu nesse lugar?


A construção de uma nova identidade traz questionamentos, inclusive, da nossa capacidade de estar onde estamos. Vamos combinar que a sociedade também não facilita, ainda existem estereótipos de “é a mulher que cuida da casa e das crianças” que deixam mais desafiadora a construção do caminho em busca da nossa autenticidade.


Esse lugar de “cheguei” onde queria, mas ainda não sei como fazer, traz inseguranças, é claro. Mas não traz apenas inseguranças, também traz pressão interna de acertar, de mostrar que fez por merecer, que é digna de viver o desafio. Assumimos uma posição de autoexigência, sem ter muita referência de exatamente o que eu espero de mim nesse cargo, quais são as expectativas dos meus liderados, investidores e clientes com relação a mim. E eu, que há muito tempo não olho para dentro, não lembro das minhas fortalezas, não legitimo minha jornada e as habilidades que trago na “mochila”, porque infelizmente, enquanto eu me desenvolvia, enquanto eu conquistava esses talentos e me tornava uma “gigante”, eu estava distraída com a luta.


Sentar na cadeira não significa fim da luta, significa que o primeiro round foi vencido. Manter-se “empreendedora” traz complicações, dificuldades, alegrias, conquistas novas e assim a história continua…. O convite que faço é, mesmo sabendo que não é possível parar tudo para focar no seu autoconhecimento, saber quem é você, em nome do quê você faz o que faz, qual é o combustível da sua vida e como você se abastece são respostas estruturantes, informações muito relevantes para você fazer contato quando parece que as coisas não estão dando certo e duvidar de si mesma.


Acredito profundamente que o caminho não é segregar: nós (mulheres) x eles (homens). As problemáticas globais atuais estão cada vez mais complexas, é preciso que unamos todos os talentos.


Escrevo para female founders pois os dados mais do que evidenciam que a jornada do empreendedorismo é ainda mais difícil para elas. Pressões internas e externas. Quando estamos no início de uma jornada desafiadora, que demanda equilíbrio entre acolhimento e provocação, colo e empurrão, saber que não é assim apenas comigo, que na verdade faço parte de um grupo de lobas founders, pode trazer uma brisa para esses dias tão calientes.


Se você interage com uma empreendedora, ajude-a a lembrar o valor da sua experiência, o merecimento da sua trajetória. Pode ser que ela esteja precisando de uma sinalização externa de que ela está fazendo um grande trabalho, enquanto ela atualiza as referências internas de que ela é sensacional e que está escrevendo uma história que vai ser a referência para mulheres que estão passos atrás mas em buscas semelhantes. Relembre-a que ela está abrindo caminho para suas amigas, filhas, sobrinhas, netas. Isso por si só já é admirável.




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