Quem não está com dificuldade de contratar que atire a pedra!
Seleção e aquisição de profissionais em empresas tech tem sido um assunto quente. Antes de mergulharmos de cabeça nisso, vamos contextualizar para tentar entender como chegamos nestas condições para então trazer insights sobre como responder ao cenário.
A lista das organizações mais valiosas dos Estados Unidos em 2020 apresenta as 5 primeiras posições ocupadas por empresas de Tecnologia. Empresas tech estão bombando. O senso de "custo da oportunidade" está muito afiado, profissionais precisam de retornos rápidos sobre o investimento de seu tempo nas empresas, em caso contrário, trocam. Vivemos o desafio de aumentar o time com cadeiras novas e com a reposição do time.
O ranking das 150 melhores empresas para se trabalhar no Brasil em 2020, segundo pesquisa da GPTW, possui 37 organizações de tecnologia. Logo, 25% das 150 melhores empresas para se trabalhar são Tech. O alto engajamento seria um sinal de que estamos acertando na gestão das pessoas em empresas tech. Mas se isso é verdade, por que o life time value dos profissionais nestas empresas está reduzindo? Vamos colocar isso (de novo...) na conta dos Millenials e da geraçãoZ? Não dá pra fazer uma análise superficial quando se trata do que chamamos de "funil furado", ou seja, enquanto contratamos 10 profissionais, perdemos 5 outros para o mercado.
Sabem o que muitos recruiters e líderes pensam? "Meu Deus, preciso de pessoas talentosas como combustível para a minha empresa crescer e não consigo contratar." Uma das hipóteses sobre esta dificuldade é que o mercado relativamente recente de tech está crescendo mais rápido do que conseguimos desenvolver hard e soft skills nos colaboradores. Falta gente, e a guerra por talentos está estabelecida.
Muitos se enganam ao pensar que a matéria prima das empresa de tecnologia são as tecnologias. A matéria prima destas empresas são as pessoas que sabem como usar da melhor forma e criar novas tecnologias, que conseguem explicar os benefícios da tecnologia para ajudar os clientes a entender como suas dores serão "curadas" e fazer a venda e que auxiliam os clientes a usufruírem da tecnologia comprada e tirar benefícios do produto.
Ter no segmento tech as top 5 empresas mais valiosas e 25% das empresa mais engajadoras são números expressivos, não? Para nós que respiramos ecossistema de tecnologia, podemos ver isso de algumas formas: "Puxa, estou no lugar certo na hora certa", ou "Software is eating the world" (célebre frase do Marc Andreessen), ou "Preciso andar rápido para não perder o timing".
Esse post é sobre o grande desafio que estamos vivendo para abastecer nossos times com os talentos que precisamos, mesmo que pareça um contrassenso haja visto o índice de desemprego do país.
Queremos compartilhar com vocês três pontos centrais que temos vivenciado e que tem dado certo na definição de estratégias e execução da engrenagem Get (aquisição).
1. A Ciência por trás da contratação
O framework da Máquina de Talentos vislumbra premissas e práticas de gestão de pessoas que sejam escaláveis e, portanto, previsíveis.
Quando estamos buscando previsibilidade, focamos em definição de métricas priorizando o estabelecimento e acompanhamento de leading indicators (indicadores de tendência, ou seja, análises preditivas de resultado) em detrimento a lagging indicators (indicadores de resultados, isto é, tudo o que já passou). Por exemplo: acompanhar um processo seletivo que deve finalizar em 30 dias é um lagging indicator. Quando recebemos o resultado, não há o que ser feito para preencher esta vaga mais rápido. O que dá pra fazer é usar os aprendizados deste processo para melhorar os próximos. Por outro lado, se conseguimos definir que a área de RH entrevista em torno de 8 candidatos para fechar a vaga e, digamos, agendou 4 ou 12 entrevistas, conseguimos avaliar se o prognóstico é positivo ou negativo e agir antes de perdermos o prazo de conclusão da seleção, caso seja necessário.
Historicamente, em RH gerimos mais lagging do que leading indicators, infelizmente. Mas a engrenagem Get é, provavelmente, uma das que mais avançou neste sentido através do Inbound Recruiting.
Inbound Recruiting bebe da fonte do Inbound Marketing. Dividimos o processo em duas etapas: Recruitment Marketing e Recruiting.
O Inbound Recruiting inicia com práticas de Recruitment Marketing: definição da proposta de valor da empresa para os colaboradores/candidatos, definição da persona (características/perfil do candidato ideal) e construção de conteúdo rico aderente à persona para que a empresa se torne conhecida (awareness) por ela. Com a sequência de conteúdos, o(a) profissional passa a considerar a possibilidade de conhecer mais (consideration) até chegar no estágio de interesse (interest), no qual o candidato procura de forma mais proativa se aprofundar nas informações sobre a empresa/vaga.
Quando o(a) candidato(a) percebe fit com a empresa e com uma posição específica, ele(a) se aplica para vaga e se inicia o processo seletivo: recruiting.
As empresas desenham as etapas do processo seletivo de acordo com a sua cultura, sua disponibilidade de time para executar os passos da seleção e características da posição. As etapas mais comuns são: aplicação -> análise de CV -> teste -> entrevista fit cultural -> entrevista com líder da área que requisitou a posição -> entrevista com diretor/founder
Conforme vamos conduzindo as etapas do funil de contratação com disciplina, vamos construindo um histórico de sucesso (estratégias e ações que deram certo) e ganhando consistência. Após realizar algumas vezes processo seletivos recorrentes, vamos encontrando as taxas de conversão vivenciadas entre cada uma das etapas até conclusão da vaga e conseguimos estabelecer metas curtas. Por exemplo:
quantos CVs preciso receber para aumentar prognóstico de fechar vaga no prazo e com qualidade? (PS: receber CVs demais também não é bom. Pode ser um sinal de que o anúncio está muito genérico, gerando alta demanda interna na triagem dos aplicantes).
% de testes respondidos e aprovados (a etapa de testes está logo no início do processo pois tende a ser mais objetivo, sejam estes testes técnicos, de capacidade analítica ou comportamental)
% de candidatos encaminhados pelo RH para área e que são aprovados pelo líder
% de candidatos encaminhados pelo RH para área e que são contratados
Quanto mais conhecemos o funcionamento e a performance do nosso funil, antes sabemos qual botão apertar em caso de emergência e mais, a emergência não é percebida quando o prazo foi perdido e sim quando identificamos prognóstico de perda de prazo.
Segue exemplo de um funil de contratação para área de vendas de um cliente da Lidehra:
A clareza das etapas do funil e o que queremos conhecer sobre o candidato em cada uma delas permitem que criemos conteúdo rico sobre a empresa, a área e a vaga. Tudo isso aderente com o timing do candidato no processo seletivo. Assim, vamos nutrindo o candidato ao longo de todo o processo com informações sobre estratégia, planos e cultura da empresa.
Percebam que mensuramos a taxa de conversão em cada uma das fases e controlamos o prazo que os candidatos devem permanecer em cada uma das etapas para que ele (a) tenha uma boa experiência. Alinhamos com eles no momento zero quanto tempo o processo deve durar, sendo este um alinhamento de expectativa importante.
Importante dizer que apresentamos a figura acima apenas como um exemplo. As taxas de conversão apresentadas na figura não devem ser usadas como referência, elas fazem sentido para a especificidade deste cliente, ok?
2. Candidato como cliente
Em 2017 a revista Você RH trouxe o conceito da "era do funcionário cliente" e como tratar funcionários como clientes da sua empresa iria revolucionar a atuação do RH.
Esse conceito também se aplica na engrenagem Get. Faz muito sentido pensarmos nas pessoas candidatas como clientes da sua empresa, ainda mais com a prática de Inbound Recruiting, não?
Em vendas, trabalha-se com o conceito de jornada de compra. Vamos pensar no conceito de jornada da contratação? Buscamos atrair pessoas talentosas, converter aplicantes para o processo, fechar boas contratações e, é claro, encantar esses clientes, fazer com que eles fiquem. Isso através da comunicação e vivência de boas práticas de gestão: desenvolvimento, liderança, performance, clima e cultura da empresa. Depois, o processo se retroalimenta.
Acabou a era do processo seletivo com relação unilateral "eu estou te avaliando", onde o poder total estava nas mãos do recrutador/empresa. Hoje, ao mesmo tempo em que a empresa avalia o(a) candidato(a), este(a) faz o mesmo processo. Sites como Glassdoor já dão informações sobre como é trabalhar naquela empresa, os salários, perguntas de entrevista… As pessoas têm informações sobre a sua organização muito antes que podemos mapear. Você - como empregador - está sendo avaliado o tempo tempo. Você já parou para pensar quantas vezes foi reprovado pelos candidatos?
Assim como quando vendemos algo a um cliente, queremos vender para o cliente certo (se quiser saber mais sobre ICP - ideal customer profile - confira aqui), onde nosso produto ou serviço responde a uma dor e o ajuda, para desta forma gerarmos fidelização e upsell (um ticket maior, uma nova compra, recomendações). Fazendo uma analogia com o processo de aquisição, o mesmo acontece com as pessoas que recrutamos.
O processo seletivo deve ter objetivo de sucesso mútuo. Empresa e candidatos entendem que ambos irão evoluir e ter ganhos a partir e durante o período em que trabalharem juntos.
Recentemente um amigo que fez uma transição profissional residindo em outro continente relatou a experiência de ter passado por 3 processos seletivos. No final, ele optou por aceitar a proposta da empresa que, na primeira impressão, aparentava ser a menos interessante mas que ao passar das etapas foi se revelando. Como a consistência entre o discurso e as interações foram impecáveis, ele se sentiu mais seguro de estar comprando o que realmente estavam vendendo. Um dos processos que ele declinou o colocou em uma posição desconfortável: ele, uma pessoa não tech, expatriado, LGBTQ+, precisou apresentar um case em uma banca composta apenas por homens, tech experts que o questionavam incessantemente fazendo pegadinhas e comentários passivo-agressivos, queriam ver se ele "aguentava o tranco". Ele perguntou se o clima estabelecido nesta etapa era um microcosmo do que ele vivenciaria na empresa. Assim que eles confirmaram, ele deu retorno negativo para o processo. Conseguem imaginar o desconforto? A empresa que ele "selecionou" para trabalhar, no dia na entrevista o convidaram para almoçar. Seu potencial futuro líder convidou uma colaboradora expatriada para o almoço para que ela compartilhasse a sua experiência e se colocasse à disposição para ajudá-lo na transição. Percebem a diferença? Um está querendo ser encantado, o outro, está encantando, e, por encantar motiva os candidatos a darem o seu melhor, a realmente quererem e vaga e por consequência, acabarão sendo encantados.
3. "Tiradores de pedido" nunca mais
Área de RH tem se portado cada vez mais como uma entendedora do Business, está cada vez mais atuante, madura e com performance previsível.
Processos seletivos tem papel estratégico na empresa. É através deste processo que começamos a materializar o que diz o Jim Collins: colocar as pessos certas nos lugares certos, fazendo certo a coisa certa. Logo, precisamos tratar o "requisitante da vaga" como um cliente. Entender bem a demanda, possíveis fontes dos candidatos, alinhar prazos e follow ups é condição. Não podemos deixar que o assunto seja tratado com pouca estrutura. A área cliente não pode enviar um email escrito "preciso de um SDR" e RH sair contratando.
O cliente interno precisa munir o(a) recruiter com as infos necessárias para que ele(a) tenha recursos para "vender" a vaga, preparar anúncios adequados e publicar nos lugares certos, fazer os melhores filtros e planejar o processo seletivo aderente ao perfil que está sendo procurado. Esse alinhamento também clareia o que pode ser esperado do RH. Isso ajuda o RH a sinalizar o que o cliente precisa fazer e quando, para garantir que o processo seja bem conduzido.
Para garantir que a área/profissional de Acquisition está bem preparada para conduzir a vaga, assegure-se que as perguntas abaixo possuem respostas consistentes:
O que empresa vende? E por quê? Que dor a empresa soluciona no mercado através de seus produtos e serviços?
Que tipo de clientes são atendidos? Qual o ticket médio? Quem são os principais clientes?
Quem são os concorrentes? Como a empresa se diferencia deles? E onde estão os principais desafios em relação aos mesmos?
Em linhas gerais, como está a empresa financeiramente? Que desafios de negócio precisam ser resolvidos no(s) próximo(s) ano(s)? Quais são as diretrizes estratégicas?
Como a vaga que estou trabalhando impacta nisso tudo? Quais impactos no negócio? Quais competências são fundamentais?
Profissionais que possuem estas informações não são executores de processos seletivos, são estrategistas, são direcionadores, agregam valor e é isso o que as áreas clientes precisam. Elas querem um RH que entende das prioridades do negócio, ajuda a avaliar quais são as skills necessárias para enfrentamento dos GAPs e que, no momento de buscar um talento do mercado, consiga trazer os profissionais que mais agregarão valor no curto e no médio prazo.
Com a dificuldade que viemos enfrentando para fechamento de algumas posições em tech, principalmente as mais especialistas, é possível que o funil padrão não dê conta e que sejam necessários fazer alguns experimentos, tentar novos canais para anunciar a vaga, novos conteúdos ricos, novos títulos para o cargos, descrições da posição, etapas, fontes de candidatos. Enfim, é preciso ser ágil, iterar e inovar. Quando optamos por este caminho, o alinhamento de expectativas e disponibilidade do cliente para o MVP é essencial.
Recomendamos que seja feita uma reunião formal com o cliente interno para "venda" desta ideia :
Contexto atual: qual é a vaga, expectativa de tempo de contratação versus performance obtida, feedbacks de candidatos, resultados não obtidos, performance de cada etapa do funil deste processo versus performance de cada etapa do funil do processo padrão .
Impactos (positivos e negativos): manter as coisas como estão acarreta em quê? Qual o prognóstico se não mudarmos? Quais os riscos se mudarmos?
Nova proposta: baseado neste diagnóstico, a proposta consiste em ….?
Resultados esperados: o que se espera atingir, em qual período de tempo, e como você irá reportar os resultados deste experimento.
Espaço para feedbacks e insights
Dica de ouro para RHs: quando você tem uma proposta para apresentar a um cliente, como você faz? Dificilmente será apenas com uma conversa, mas você irá se preparar para essa reunião, com uma pauta, dados, estudo prévio e uma apresentação. Você pode - e deve - usar o mesmo para apresentar mudanças e melhorias em processos seletivos, e até mesmo resultados, para seus clientes internos.
Lembrando sempre que o processo seletivo está para servir a um objetivo da empresa. Sempre pode ser remodelado.
Candidato contratado, hora de medir satisfação dos clientes, candidato e área.
Podemos fazer isso através de mensuração de NPS dos dois, assim como acompanhando a satisfação do cliente interno com o candidato e do candidato com a empresa nos 3 primeiros meses após contratação. Como regra geral, costumamos considerar que um churn que acontece até 90 dias após contratação é um "furo" no processo seletivo. Após este período, está mais relacionado à retenção (algo dentro da área cliente que não está indo 100%). Nos dois casos, vale uma análise do ocorrido.
Bom, com estas três premissas você já tem um bom direcionamento. Mesmo assim, no próximo post, bora aprofundar a prática. Abordaremos formação da área de Acquisition (dimensionamento e composição), desenho de persona, conteúdos ricos por etapas do funil, analytics e cases.
Post escrito em co-autoria com Marilia Tosetto.
Material sensacional. Acredito que serve tanto para quem contratar como para candidatos. Parabéns 😄👏👏👏